A sustentabilidade das compras compartilhadas – Entrevista com Renato Cader
POR
GABRIELA CAMPÊLO
– 29 DE NOVEMBRO DE 2012PUBLICADO EM: NOTÍCIAS, PEGADA ECOLÓGICA
Renato Cader é Coordenador do Fórum de Lideranças Executivas de Órgãos Federais do Rio de Janeiro – GesRio. Este Fórum já conta com a participação de 35 órgãos públicos de diferentes setores. E foi através dele que Cader conseguiu grande articulação para a compra compartilhada de materiais sustentáveis na administração pública, como ele explica nesta entrevista. Renato Cader, que é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, também foi Diretor de Gestão do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) onde obteve uma economia de aproximadamente 50% no preço dos produtos adquiridos na primeira compra compartilhada, experiência que teve repercussão nacional e internacional. A segunda compra compartilhada foi coordenada por ele na Fiocruz, e agora se encontra na etapa de definir qual será o órgão público que gerenciará a terceira.
Em que consiste o projeto “Compras Compartilhadas Sustentáveis”?
É um projeto cujo objeto é a compra pelos órgãos públicos federais, de itens de materiais sustentáveis – papel reciclado, lápis de manejo sustentável, copos de papel não parafinado… Ou seja, de materiais que causem menos impacto ao meio ambiente; e de forma conjunta, compartilhada, o que possibilita maior economia. A perspectiva das compras compartilhadas sustentáveis é um caminho para a aplicação concreta do conceito de sustentabilidade nas compras públicas e esse projeto de compra compartilhada sustentável veio demonstrar claramente essa possibilidade, pelos resultados apresentados.
Como surgiu a ideia desse projeto?
Sempre tive a inquietação de trazer para o mundo da gestão pública as questões relacionadas ao meio ambiente. Entendo que os gestores públicos têm obrigação de dar o exemplo, mais que a sociedade em geral. Mudando o padrão do consumo, acaba-se por mudar o processo de produção. Porque, se os gestores públicos consumirem mais produtos sustentáveis, vão fomentar um novo mercado, que é o mercado de produtos sustentáveis. Isso é algo que fará a diferença. Nós temos um dado que revela: aproximadamente 16% do PIB são oriundos de compras públicas. Sendo assim, o poder público tem o papel fundamental de fomentar esse novo mercado e essa mudança de paradigma de consumo.
Você acredita que uma política de compras sustentáveis poderia ajudar no processo de consumo sustentável em geral?
A política de compras sustentáveis é um instrumento fundamental para implementação mais efetiva das contratações sustentáveis. Tenho certeza que esse é um caminho que não tem volta. Um caminho do bem, na verdade. É uma onda que está crescendo e que todo mundo vai, obrigatoriamente, ter que pegar. Digo isso, primeiro, por conta da própria legislação. Houve um avanço na legislação nos últimos anos. O Ministério do Planejamento publicou a Instrução Normativa Nº 1/2010 e, recentemente, houve um decreto, no dia 5 de Junho de 2012, dispondo sobre essa questão do consumo sustentável na administração pública, sobre as compras sustentáveis. Há pouco tempo o Ministério do Meio Ambiente lançou o Plano Nacional de Produção e Consumo Sustentável, que também traz algumas recomendações importantes. Em muitos estados já existem experiências exitosas, como em São Paulo e Minas Gerais, mas não de compras compartilhadas sustentáveis.
A iniciativa começou a ser implantada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Que balanço pode ser feito nessa iniciativa?
A primeira compra compartilhada foi coordenada pelo JBRJ e contou com a participação de dez órgãos públicos. Registramos uma economia de aproximadamente 50% no preço dos produtos adquiridos. Então, com esse projeto, desmistificamos a ideia de que produtos sustentáveis são mais caros que os convencionais. Conseguimos comprar papel reciclado pelo mesmo preço do convencional, compramos envelope de papel reciclado mais barato que o de papel convencional, etc. Também acabamos com a ideia de que a eficiência só deve ser vista pelo ponto de vista econômico. Mostramos aos gestores públicos que a eficiência ambiental também está dentro do conceito de eficiência econômica. A ideia é que a cada ano um órgão público coordene essa licitação com os outros órgãos, de forma que ele [o projeto] vá reverberando por toda a administração pública federal.
A Ministra Miriam Belquior na solenidade de entrega do Prêmio Inovação, que teve este projeto como um dos vencedores, falou da importância da perenidade do projeto e isso já está acontecendo. A primeira compra foi coordenada pelo Jardim Botânico, a segunda pela Fiocruz, já com resultados concretos e agora estamos definindo qual órgão vai gerenciar a terceira.
A Ministra Miriam Belquior na solenidade de entrega do Prêmio Inovação, que teve este projeto como um dos vencedores, falou da importância da perenidade do projeto e isso já está acontecendo. A primeira compra foi coordenada pelo Jardim Botânico, a segunda pela Fiocruz, já com resultados concretos e agora estamos definindo qual órgão vai gerenciar a terceira.
Então, após essas duas compras, que balanço pode ser feito nesses anos de implantação?
A segunda compra teve a aquisição de 20 itens sustentáveis e a participação de 19 unidades administrativas de diferentes órgãos federais do Rio de Janeiro. A mesma obteve resultados bastante satisfatórios. Entraram na segunda compra novas instituições de prestígio nacional como o BNDES, INMETRO, IBGE, DATAPREV, ANCINE, entre outras. A ANP e ANS já sinalizaram o interesse em fase de adesão. A referida compra obteve uma economia de 43,59% sobre o valor estimado – e houve também a inclusão de novos itens em relação à primeira compra como a caneta com plástico reciclado e o envelope reciclado da cor branca. Itens como papel A4 reciclado e etiqueta tiveram preços ainda melhores que a primeira, gerenciada pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro. O papel A4, por exemplo, teve um montante a ser comprado estimado de cerca de um milhão de reais, e, com uma economia de 42%, foi economizado só nesse item cerca de R$ 420 mil. A segunda compra compartilhada veio ratificar ainda mais a perspectiva de que é possível comprar produtos sustentáveis mais baratos que os convencionais.
Você recebeu como prêmio uma viagem técnica à Alemanha. O que destacaria dessa experiência?
A experiência na Alemanha foi muito importante, primeiro para entender que o Brasil, na minha visão, ainda está muito atrasado, sim, em relação a alguns países da Europa, e à Alemanha, principalmente. A Alemanha tem uma política de compras sustentáveis desde 1986. Mas, por outro lado, a Alemanha, assim como alguns outros países da Europa, não tem essa cultura de fazer compras compartilhadas sustentáveis. Então, nosso projeto é realmente inovador, no Brasil e em outros países.
Na Alemanha pude aprender sobre os critérios ambientais que eles utilizam nas licitações. O Brasil não tem um selo ambiental como a Alemanha, onde há o “Blue Angel”, que é da década de 70, legitimado pela área pública. O “Blue Angel” certifica vários tipos de produtos: florestais, material de expediente etc. Penso que poderíamos ter um selo assim no Brasil, com uma perspectiva mais sistêmica.
Na Alemanha pude aprender sobre os critérios ambientais que eles utilizam nas licitações. O Brasil não tem um selo ambiental como a Alemanha, onde há o “Blue Angel”, que é da década de 70, legitimado pela área pública. O “Blue Angel” certifica vários tipos de produtos: florestais, material de expediente etc. Penso que poderíamos ter um selo assim no Brasil, com uma perspectiva mais sistêmica.
Os alemães passarão a compartilhar suas compras sustentáveis?
Sim. Inclusive, um instituto de pesquisa de produção e consumo sustentável que visitei pediu que encaminhasse a apresentação do projeto para disseminar a outros países do mundo. Uma consultoria britânica me procurou para uma entrevista sobre esse projeto que está começando a reverberar, a ter eco na esfera internacional, o que considero um passo a mais para a sustentabilidade do nosso Planeta.
Fonte: Eco21
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